O isolamento social e o impacto negativo que ele vem causando na nossa saúde mental
O luto é um sentimento profundo de perda e angústia e isso acontece devido à “quebra” de uma rotina que já não temos mais: relacionamentos, hábitos, vivências (do passado e presente), projetos, sonhos e expectativas (do futuro).
No caso desta pandemia, nossos planos foram cortados e adiados. Nós não podemos dar andamento aos nossos objetivos, seja no relacionamento, no trabalho, na vida social, entre outros.
Luto e vazio
Quando ocorre a percepção clara de que tudo foi rompido (que não vai ser mais como era antes), que será impossível voltar ao passado como estava, isso gera a sensação de uma enorme impotência e falta de controle sobre a vida.
Após a perda (mudança repentina), acontece o encontro inexorável com a sensação do vazio, aquilo que tanto escapamos e fugimos em nossa correria do dia a dia. Sigmund Freud chamava o vazio como o ‘buraco da falta’ (angústia).
O sentimento de angústia refletido como aperto e dor no peito revela que algo mudou, algo está em transformação (morte) caminhando para um total desconhecido e que de alguma forma gostaríamos que não tivesse mudado aquela condição anterior.
“Este vazio onde tudo está e nada é….. sempre é visto pela sociedade como algo desconfortável, nocivo, maléfico e errado”
A dor emocional neste momento é iminente e inexorável e temos a possibilidade de entrar em contato com ela ou seguir a vida nas ações mecânicas do dia a dia. E, neste caso, ocorre a possibilidade de uma tremenda aversão ao desconforto, dor, angústia, tristeza e medo, ou seja, não querer entrar em contato com estas emoções (uma resistência ao desconforto).
Porém, tudo que a gente resiste, persiste…em nossas vidas e com esta reatividade não acessamos a vida em sua totalidade, sabendo que a relatividade e impermanência das emoções é a vida em si.
Por exemplo, experimente estar próximo por algumas horas a um bebê e percebemos o universo infinito de emoções contrastantes de choro e risadas, de sono e agitação, de dor e prazer, de tristeza e alegria, de medo e amor……
Nascemos “Ser” e vamos nos tornando “Humanos” e neste processo de humanização as emoções, sensações e sentimentos estão em movimento continuo sem parar.
À medida que vamos nos tornando adultos, a tendência é resistirmos a qualquer tipo de desconforto e assim vamos fugindo das dores e do tal vazio. A mente ‘pré-ocupada’, o corpo cheio de ações e tarefas não dão espaço para percebermos as emoções e assim tendemos a escapar delas o tempo todo.
“Mas, se não entramos em contato com o choro como realmente podemos sorrir?”
“Se não entramos em contato com as perdas, como podemos realmente nos abrir para os ganhos?”
“Se não entramos em contato com o morrer, como podemos renascer?”
A morte faz parte do viver, as mudanças fazem parte da vida, a impermanência é a vida em Si. Os “altos e baixos” da jornada da vida simbolizam que realmente estamos vivendo e nos permitindo viver.
Isolamento social e luto
O processo do luto representa um período de separação momentânea do estado de bem-estar, ou seja, um momento natural e orgânico de desconforto emocional diante de uma perda e/ou mudança na vida.
Diversas reações são comuns no processo de luto como choque, negação, ansiedade, raiva, tristeza, desorganização, desespero e impotência experimentadas intensamente e sobrepostas (em alguns momentos). A ambivalência também é comum de ser sentida.
Diante desse momento desafiador que vivemos atualmente (coronavírus) é possível afirmar que estamos passando por um luto coletivo, visto que as reações supracitadas e, ainda, o sentimento do medo atingem toda a sociedade, independente de idade, etnia, sexo, nível socioeconômico e religião.
Luto não é só presença de morte
Mas é importante perceber que o luto não se restringe apenas à presença da morte, mas a qualquer tipo de mudança repentina e inesperada. Este sentimento pode ser concebido como um mecanismo inerente à psique humana
Toda vez que uma pessoa rememora algum sentimento de perda e mudança inexorável em sua vida, existe a possibilidade de “mergulhar” em faltas e carências o que gera muitas vezes, emoções e sensações intensas como a tristeza, raiva e dor.
Já a melancolia, culpa e mágoa quando não trabalhadas conscientemente vão se tornando algo crônico e intenso no dia a dia, e vamos nos apegando a estas emoções até virar uma depressão e o luto.
As fases do luto
Os sentimentos oscilam conforme a faixa etária das pessoas envolvidas na perda, as condições em que se encontra seu organismo, como se deu a ruptura, seu contexto cultural, o credo religioso, a intensidade da fé, a situação econômica, a esfera social que a abriga, sua forma de reagir aos choques da vida, entre outros fatores.
Cada uma destas condições influi consideravelmente no luto de cada um, intensificando-o ou reduzindo seu grau de impacto. O importante é vivenciar esta etapa, não tentar reprimir o sofrimento, pois as consequências disso podem ser muito sérias posteriormente.
Não se pode precisar exatamente quanto tempo durará esta fase da vida, mas com o tempo a dor vai perdendo a intensidade e as pessoas acabam retomando a sua rotina, o que não exclui certos momentos de retomada do luto.
Covid-19 e seus resultados emocionais
O que tem acontecido atualmente com a chegada do COVID-19 tem gerado resultados emocionais muito parecidos com o luto. Choque, negação, raiva, descrença, falta e sensação de vazio (isolamento) e por consequência tristeza e depressão.
A questão do isolamento forçado, principalmente para pessoas que moram sozinhas ou que tem pouco contato via internet tem sido muito responsável pelos quadros de depressão que tem aumentado consideravelmente nestes últimos 2 meses.
Ao mesmo tempo que a nível de saúde física, o isolamento social é fundamental para não propagar o vírus, o mesmo isolamento é muito maléfico para pessoas que já tem tendências depressivas/mentais e históricos com questões desconfortáveis no âmbito emocional.
A aceitação ao luto pode ajudar a seguir em frente
É fundamental criar uma rotina de atividades e horários com atenção a alimentação saudável, exercícios físicos, cursos e atividades motivacionais, qualidade de sono e consumo de informações culturais e saudáveis.
A meditação, terapias, atividades artísticas e convívio social mesmo que virtual, são também de extrema importância para o enfrentamento deste processo desconfortável de uma forma amorosa, acolhedora e paciente.
À medida que vamos integrando e aceitando o processo da dor e luto, ocorre a possibilidade diferenciada de acessar outro tipo de vazio quando a prática da meditação, yoga e outras ferramentas de desaceleração mental acontecem com disciplina e propósito.
É desenvolvida a percepção do vazio de um ”Eu” (identidade), ou seja, o despertar para uma ‘des-identificação’ profunda sem o ‘desejo-apego’ e a ‘raiva-aversão’ e somente o vazio de um ”Eu” que tudo já é e nada falta. Um olhar transpessoal e espiritual para os fatos concretos da vida.
Este vazio (vacuidade), tanto praticado nas tradições orientais e espirituais, abre um campo de infinitas possibilidades para quem o vivencia. Intuições, insights, percepções e ampliação de consciência brotam do vazio e do silêncio naturalmente e, assim, podemos viver a vida em sua potência máxima de criatividade e expressão do que realmente somos e o que nos propomos a fazer nesta vida.
A energia criativa e curadora emerge do vazio e neste sentido é fundamental a mudança daquilo que passou: “o velho” – a morte (ontem-passado), em movimento contínuo de transição para aquilo que chega: “o novo” – a vida (hoje-presente)!
A impermanência é uma lei fundamental da existência, portanto é fundamental desenvolver esta sabedoria dos ciclos de que tudo passará: dor/prazer, desconforto/conforto, tristeza/alegria, confiando e se entregando “a vida como ela é.”
Cuide da saúde emocional e não deixe ela em quarentena. Manter o equilíbrio psíquico é fundamental para que este momento de luto coletivo seja menos doloroso para todos nós.
Leave a Reply