Dentro da estrutura das leis que gravitam sobre a Consciência do indivíduo, a liberdade humana é a mais preciosa conquista
Para a maioria das pessoas, ser livre é fazer aquilo que cada um mais almeja: “o viver o seu querer”, expressando e agindo conforme os desejos e vontades que vão surgindo.
A liberdade está muito ligada ao poder de vivenciar a autonomia e a espontaneidade. A sensação profunda de não depender de ninguém, sem regras ou modelos de conduta estabelecidos e ser capaz de agir por si mesmo.
A liberdade se diferencia do livre-arbítrio pelo fato de que, enquanto a primeira tem sua expressão no mundo externo (ações, expressões, experiências), o livre-arbítrio é uma faculdade que vem de uma consciência interna a partir do autoconhecimento, discernimento e clareza vindos do Ser.
Um bom exemplo da diferença entre ambas segue aqui: o direito constitucional cita a liberdade do ir e vir: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”
Porém, neste momento de pandemia, temos uma grande adversidade através deste vírus desconhecido e que mata as pessoas e, assim, são exigidos alguns protocolos de segurança. A partir desses protocolos, perdemos nossa liberdade de agir.
No texto constitucional está escrito: “em tempo de paz podemos ir e vir…” mas e quando estamos em tempo de uma guerra (covid19)? Nesse caso, prevalece o direito primordial à vida e à saúde e, assim, a privação da liberdade tem um sentido lógico e plausível.
Livre-arbítrio, liberdade e autorresponsabilidade
Mesmo privados de liberdade, nós podemos exercitar o caminho do livre-arbítrio através da autorresponsabilidade.
Pode um homem ser privado de sua liberdade, não lhe sendo permitido mover-se à vontade; porém, o livre-arbítrio continuará atuando internamente, já que ninguém poderá impedir a atividade dos pensamentos e discernimento dentro de sua mente.
Miguel de Cervantes, por exemplo, quando concebeu e escreveu no cárcere a famosa obra “Dom Quixote”, em que sintetizou boa parte das observações que havia feito sobre a psicologia humana, deu uma prova evidente de que não havia sido privado do livre uso de suas faculdades mentais, apesar da falta de liberdade física.
Ao desenvolvermos o caminho da autorresponsabilidade, naturalmente acontece a faculdade do livre-arbítrio, por exemplo, perguntas pertinentes para o momento: como podemos atuar em relação a sociedade nesse momento? Como atuar socialmente com outras pessoas? E em relação a nós mesmos?
A liberdade de expressão, de culto, de palavra, de comércio, como a de caráter político, social ou econômico, são produtos de uma manifestação que transcende o foro interno do homem.
Porém, quando o uso da liberdade for expresso sem autorresponsabilidade, existe uma grande chance de gerar falta de respeito, falta de educação e abusos das mais variadas formas.
A verdadeira liberdade advém da autoconsciência e da capacidade de fazer escolhas saudáveis e criativas que venham a partir do livre arbítrio. O julgamento de valores do que é certo e errado, desde que se respeite o zelo pelo o outro e pela sociedade, cabe unicamente ao indivíduo com base na transparência e verdade.
Lembramos da frase bíblica: “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará.” O caminho da verdade e transparência permite abrir a possibilidade de uma vida livre e espontânea.
O livre-arbítrio, ou seja, o exercício da razão em correspondência direta com as demais faculdades do sistema mental, pode ser reduzido ao mínimo e até anulado – se o homem em sua biografia é privado, desde a infância, do livre jogo das funções de sua inteligência, sendo obrigado a fechar sua mente a toda reflexão útil.
Em consequência, a tendência na vida que segue é a repetição de padrões e crenças pré-estabelecidas e o ser humano segue no automatismo da vida, sem assumir responsabilidades e sem fazer escolhas conscientes (livre-arbítrio).
Escolha X Liberdade
A escolha é o exercício da liberdade, e é através dela que o homem se faz livre. O homem exercita essa liberdade em suas escolhas que são norteadas pela consciência. A partir das escolhas criamos um caminho mais pleno e realizador.
A consciência vai servir como filtro para cada intenção de escolha. É a partir da escolha que o homem projeta quem ele deve ser, e isso molda seus valores e propósitos.
A consciência do homem não é algo determinado, mas, ao contrário, faz-se na materialização das escolhas. A consciência do homem é refletida nas suas escolhas.
A consciência é a vivência do transcender-se, é ir para fora de si, transbordar. Escolher, é sinônimo de ser livre, e é na escolha que o homem se constitui como autônomo no mundo.
Lembremos também que a “não escolha”, ou seja, abster-se de escolher é também uma escolha.
Existência X Liberdade
Ao viver nossa humanidade, existe uma grande chance de projeção e fantasia de quem realmente somos e quais nossos verdadeiros propósitos, pois as ilusões, escapes e autoenganos são muito recorrentes.
A prática constante do autoconhecimento é fundamental para a mudança da percepção. Os que conseguem ter consciência da discrepância entre o idealizado e a realidade sabem seus verdadeiros limites, embora não deixem de se esforçar para atingir seus ideais.
A psicologia existencial acredita que a experiência de cada pessoa é única, e podemos observar isso quando falamos sobre o homem como fenômeno único. A escuta compassiva e a autoaceitação são meios de ajudar um indivíduo a desenvolver a autoconsciência e autocompreensão vivenciando uma relação aberta, amigável e estreita com suas próprias experiências do viver.
Quanto maior a consciência, maior a responsabilidade de nós sermos os únicos responsáveis por nossas escolhas realizadas (autorresponsabilidade). E a partir daí, gerando maior a liberdade de Ser e de Estar…
Ninguém detém o poder de te impedir de ser feliz, assim como a sua felicidade não está nas mãos de ninguém. Podemos perceber aqui a relação de autoconsciência e liberdade na produção de um Ser responsável por si mesmo.
Ansiedade X Liberdade
Nesta perspectiva, a ansiedade surge quando eventualmente temos alguma possibilidade ampla de conquistarmos mais liberdade. Como essa possibilidade se refere ao futuro, a ansiedade se instala.
Podemos ter um anseio natural pela liberdade ou desenvolver uma angústia/ansiedade compulsiva e viciada para que se realize logo. O futuro reserva possibilidades ainda não realizadas, com isso surge a necessidade de escolhas responsáveis.
Se estamos com uma qualidade de presença e centrados, a escolha não será algo problemático e também não será acompanhada de ansiedade ou tensão excessiva.
A ansiedade aparece perante a escolha, e desaparece quando escolhemos, volta a surgir quando outras possibilidades surgem, e assim por diante, num movimento contínuo. A possibilidade de escolha nos aponta caminhos. As expectativas permanecem, em todo tempo e somos exigidos a realizar escolhas e naturalmente podemos nos angustiar frente às possibilidades.
O fato é que o indivíduo, ao escolher questões sobre o futuro, sempre vai envolver algum tipo de ansiedade, pois está associado ao medo do desconhecido. A ideia é pela busca de autenticidade no viver, e esta implica em aceitar a condição humana tal como ela é, e conseguir confrontar-se com a ansiedade
Entendemos a necessidade de uma busca incansável na construção de nossos projetos, sentindo a ansiedade como parte natural desse caminho. Porém, não se deixe dominar, foque no exercício da liberdade e da autorresponsabilidade em cada escolha e, assim, pratique uma vida repleta de autenticidade e transparência.
A permissão interna para viver o desconhecido, o não controlável, o incerto e, assim, se surpreender diariamente com a vida como ela é, é um grande caminho para a libertação!
“Somos assim: sonhamos o voo mas tememos a altura.
Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio.
Porque é só no vazio que o voo acontece.
O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas.
Mas é isso o que tememos: o não ter certezas.
Por isso trocamos o voo por gaiolas.
As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.”
Fiodor Dostoiévski em “Os irmãos Karamazov”
Leave a Reply